jueves, 6 de marzo de 2014

O sentido da medida



O sentido da medida
Cristiane Grando
Escritora e tradutora. Doutora em Letras (USP), com pós-doutorado em Tradução Literária (Unicamp).


Sonia Hirsch, jornalista e escritora voltada para a promoção da saúde, que escreve como quem cozinha e cozinha como quem escreve, afirma que as melhores coisas da vida são simples: sol da manhã, paisagens verdes, céu muito azul... e que as melhores comidas da vida também são simples. E continua: A boa comida também remete com frequência a um ingrediente que não consta da receita. Aos elogios, quem a fez responde: 'Fiz com amor.' Soa como um segredo daquela mão, daquele coração, que ao dosar o sal e o azeite tem uma consciência aguda de sua própria medida.” (“Meditando na cozinha”. Rio de Janeiro: Corre Cotia)
Dona Benta: comer bem”, livro tradicional da culinária brasileira ensina: O destino das nações depende da maneira de alimentar do seu povo.” - segundo Brillat-Savarin. O ato de comer exerce em nossa vida um papel não só coletivo, mas também individual; é uma atitude cotidiana que muitas vezes realizamos com o piloto automático ligado, distraídos, sem sentir o sabor, sem exercitar os cinco sentidos. Segundo Sonia Hirsch: “Comer é pessoal e intransferível. Junta no prato história de vida, influência familiar, referências culturais, situação econômica, desejos inconscientes e sabe-se lá que temperos. […] No fim das contas, comer é alimentar-se, mas também aprender quem se é.”
Importante é ser comedido - que é uma virtude da prudência, da moderação e do respeito, a si mesmo e ao planeta. Ser comedido ao comer e intuir a medida exata ao cozinhar - como a palavra justa ao escrever, “le mot juste” em francês - são duas formas de viver em estado meditativo, concentrado no presente. Concentrado em seu corpo - se necessita de alimentação ou se estamos comendo por compulsão, o que só se consegue identificar se exercitamos com frequência o autoconhecimento - e concentrado no presente, ao decidir quais atitudes e medidas tomar ao preparar um prato, o que nos permite exercitar a observação do que acontece exteriormente e não apenas do que vivemos em nosso mundo interior. Nos versos de “o maître e o poeta”, publicados na revista número 32 da Fundação Biblioteca Nacional, “Poesia Sempre”, comparo o ato de escrever com o de preparar um bom prato: “escolher palavras/ como quem sabe/ a quantidade exata de sons/ e o modo de preparar a massa// o tempo aproximado de misturá-los/ até encontrar o ponto// como quem intui e conhece/ o jeito de mexer/ o ritmo que os ingredientes exigem das mãos/ e o olhar amoroso// a entrega tão necessária/ para que poucas palavras/ sejam poesia”. Saber escolher e medir sons, ingredientes, tempo, ritmo... e misturá-los ao amor e à entrega, que sempre é um ato amoroso.
Sobre o valor da pausa na alimentação, ou seja, o jejum, Sonia Hirsch alerta: “'O que o jejum não cura, nada cura', diz um velho provérbio alemão.” E continua dizendo que até mesmo jejuns de poucas horas entre as refeições são importantes porque dão tempo de completar a digestão e de esvaziar o estômago antes de comer novamente; que o jejum da noite é fundamental e se for de 12 horas permite que o organismo se refaça e se autodesintoxique. Hirsch aconselha que bebamos muita água fresca de manhã, bebericada aos golinhos e, para os que apreciam, que bebamos chás. Eu aconselharia: beber chá sem açúcar, o que aprendi no Chile. Sente-se melhor, assim, o seu sabor. Adoçar café e chá significa tomar boa quantidade de açúcar ao dia.
A abstinência ou privação não deixa de ser um exercício que nos ensina a valorizar o que temos. O que anuncio no início do meu livro “Fluxus”: “às vezes/ é bom sentir fome/ para só depois morrer/ de saudade”.



GRANDO, Cristiane. “O sentido da medida”. Fique em Evidência. Ed. 44, Ano 3. Cerquilho, março de 2014, p.30.